sexta-feira, 6 de março de 2015

Política de repressão às drogas: eficiência ou fracasso?

Paulo Emanuel Lopes
Adital

Neste início de 2015, a prisão do brasileiro André da Cruz Teixeira Leite, no Estado do Rio de Janeiro, reacendeu a discussão em torno da política de repressão às drogas no Brasil. O músico da banda Cone Drew Diretoria mantinha em sua residência quatro pés de maconha, afirmando serem destinados ao consumo pessoal.

Repressão às drogas traz mais desvantagens do que vantagens? Foto: mercadopopular.org


Um dos principais argumentos de quem se coloca contra a legalização da maconha é que sua regulamentação poderia incentivar o aumento no consumo. Já as pessoas favoráveis a uma legislação mais branda argumentam que, além da proibição não impedir o acesso à droga, a repressão seria responsável por desvantagens à sociedade superiores às vantagens.

Repressão: a voz do usuário

Laerte Duarte é músico e designer gráfico. Pai de dois filhos, Duarte conseguiu uma boa colocação profissional. Sua vida, entretanto, poderia ter tomado um rumo bem diferente quando, aos 18 anos, sofreu agressões por quem é financiado para lhe proteger: o Estado.

"Em 1980, portar [maconha] ainda era crime e acharam um baseado comigo. Por conta disso, fui preso, além de sofrer maus tratos. Bateram em mim para que eu dissesse onde tinha comprado. Ficaria ainda mais complicado entregar o traficante, porque poderia me acarretaria futuras retaliações”.

Duarte foi obrigado a sair de sua cidade natal, Fortaleza, Estado do Ceará, por conta das consequências que portar um cigarro de maconha lhe imputou. "Tinha acabado de completar 18 anos. A prisão me gerou muitas complicações, como meu nome ser citado nas rádios. Tive que viajar após o fato para o Rio de Janeiro, perdi o vestibular e, por consequência, a entrada na universidade”.


Manifestantes protestam contra internação compulsória dos usuários de drogas. Foto: Reprodução.


Saldo da política de drogas no Brasil

A aprovação, em 2006, da atual Lei de combate às drogas no Brasil buscou reduzir a coerção ao usuário. Entretanto, passados oito anos da nova legislação, o encarceramento motivado pelas drogas no Brasil só fez aumentar.

Segundo o documento "Agenda Nacional pelo Desencarceramento”, divulgado pela Pastoral Carcerária brasileira, entre 2005 e 2011 o número de pessoas presas por tráfico no País saltou de 31.520 para 115.287. "Nada disso resultou em melhorias na segurança pública e na vida do povo em geral. Além disso, o proibicionismo também não diminuiu o comércio de drogas e não abriu o necessário debate sobre a classificação e definição de quais substâncias devem ou não devem ser consideradas ilícitas”, afirma em entrevista à Adital Marcelo Naves, vice-coordenador da Pastoral Carcerária na Arquidiocese de São Paulo.

Legalização da maconha ainda distante no Brasil

Para Rossana Kopf, articuladora do movimento "Brasil sem drogas”, o país não deveria enveredar pelos caminhos da legalização da maconha haja vista a fragilidade institucional das políticas públicas nacionais.

"Nós (brasileiros) somos o primeiro país no mundo no consumo do crack e o segundo no de cocaína, não precisamos de uma terceira droga [a maconha] em nossas estatísticas. Você vê, os perigos para a saúde com a banalização da maconha são enormes, como a esquizofrenia. [Nós do movimento] Não somos proibicionistas, fomos inclusive a favor da legalização do canabinol [medicamento à base de cannabis sativa]. Mas somos completamente contra o uso recreativo [da maconha], pois, em nosso país, as regras são muito frouxas, sem controle, e não queremos que crianças tenham acesso a essa droga.”

Para Laerte Duarte, que conheceu de perto a realidade da repressão, a política atual nunca trará os resultados desejados. Ao invés de tomar a decisão pelo usuário, o Estado deveria atuar com mais informação, transferindo aos cidadãos a responsabilidade por seus próprios atos.


Laerte Duarte lamenta repressão que sofreu na adolescência por ser usuário de maconha. Foto: Arquivo pessoal.


"Comprar nunca foi empecilho. A única coisa que me fez parar de fumar maconha foi minha própria vontade. Nunca me tornei marginal por conta disso... O Estado deveria cuidar mesmo era da saúde pública e da educação. [A regulamentação] só traria benefícios para todos, inclusive para quem gosta de arrecadar impostos. A Souza Cruz, inclusive, já tem patenteada a marca ‘Marley’ para quando chegar a hora de lançar o seu baseado industrial.”

Para Rossana, entretanto, tais argumentos não são suficientes. "A questão não é legalizar, liberar, mas sim trabalhar a prevenção e conscientização das pessoas. De que adianta o Estado legalizar se não atua na prevenção? Temos [sociedade e Estado] que agir nas escolas, indústrias, famílias... O jovem inicia no álcool, e a curiosidade natural o leva à maconha, à cocaína. Sem falar no perigo das novas drogas que estão surgindo”.

Repressão: uma política seletiva

Marcelo Naves, da Pastoral Carcerária: criminalização das drogas só vale para pobres e moradores da periferia. Foto: Pastoral Carcerária.


Conforme afirma o padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, em recente entrevista ao jornal "El País”, [http://brasil.elpais.com/brasil/2015/01/26/politica/1422280432_427247.html]"quem define quem é usuário e quem é traficante é a polícia, que acaba tomando essa decisão com base no perfil do suspeito: se foi preso na favela, é traficante”.

Para a Pastoral Carcerária, a guerra contra as drogas é um "slogan” para justificar o aumento da repressão e do controle das comunidades periféricas no Brasil. "A Pastoral Carcerária, já há muito tempo, denuncia que o sistema penal e punitivo brasileiro é extremamente seletivo. Apresentamos essa posição com propostas de políticas públicas na área de segurança pública e direitos humanos na ‘Agenda Nacional de Desencarceramento’. Sempre que se discute o endurecimento das penas, sabemos que redundará na criminalização das pessoas pobres e moradoras das periferias”, explica Marcelo Naves.


Paulo Emanuel Lopes

Publicitário e estudante de jornalismo. Colabora com ADITAL.
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