domingo, 29 de março de 2015

Entrevista com a “sem-terra do Outback”

Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:


Em março do ano passado, um direitista sem o menor respeito pela privacidade alheia fotografou uma moça com camiseta do MST (Movimento dos Sem-Terra) almoçando no restaurante Outback enquanto digitava algo ao telefone. Não era ninguém famoso. Era uma pessoa qualquer. Mas os reaças ficaram ouriçados.

Era preciso achincalhar a “sem-terra” que se atreveu a ir comer naquela churrascaria “chique” (na verdade uma reles franquia), assim como fizeram, tempos atrás, com um grupo do MST fotografado em frente a um McDonald’s, como se fosse coisa de outro mundo comprar uma casquinha de sorvete, pouco importando o lugar (detalhe: custa R$2,50). Mesquinhez no último. No que depender deles, pelo visto, brasileiros sem-terra não podem nem tomar sorvete.

Pois a “notícia” de que uma sem-terra estava rangando no Outback foi parar até no site da revista Veja pelas mãos do colunista fã do Pateta. No facebook, um jovem reaça famosinho fez um meme que tornou a imagem viral.



Este ano, às vésperas da marcha de direita contra Dilma, a imagem voltou a circular – na manifestação, inclusive, foram vistos cartazes onde essa gente pede a “criminalização” do MST por ser “um grupo paramilitar”. O que a divulgação dessa foto e a chacota em cima dela dizem a respeito da direita brasileira?

Em primeiro lugar, escancara o preconceito que eles têm com os sem-terra. É como se pensassem assim: “o que faz essa ‘sem-terra’ chechelenta em nosso ambiente diferenciado?” Ora, por que uma pessoa pobre não poderia ir ao Outback? Só se estivesse de uniforme? Se fosse uma babá vestida de branco, cuidando das crianças enquanto os patrões burgueses comiam, estava liberado?

Em segundo lugar, vem a “patrulha da moda reaça” tentando ditar o que se deve ou não se deve vestir para “ir ao Outback”. Quem define isso? Onde está escrito que não se pode ir ali com uma camiseta do MST ou com uma camiseta vermelha qualquer? Qual o problema desse pessoal com o vermelho, afinal?

Em terceiro lugar: o que tem a ver a posição política da pessoa com o lugar onde ela vai comer? Isso não é uma questão de gosto? Eu, por exemplo, não vou ao McDonald’s principalmente porque acho a comida ruim, gordurosa, pouco saudável. Mas o que eu tenho a ver com quem gosta da comida de lá?

Resolvi ir direto à fonte e entrevistei a “sem-terra do Outback” para saber o que ela acha disso tudo. M.P., de 40 anos, moradora de Brasília, preferiu não se identificar para preservar a família de novos ataques dessa gente.

Olá, você é sem-terra?

Não, sou jornalista.

Por que você resolveu ir ao Outback usando uma camiseta do MST?

Porque todas as da Abercrombie estavam sujas. Hahaha.

Sério, por que você usou uma camiseta do MST num local assim?

Essa pergunta faz tanto sentido quanto perguntar para alguém por que vestiu uma pólo Ralph Lauren e mocassins para comer pastel na feira.

Qual sua relação com o MST?

Nenhuma. Eu admiro o MST. Sou fã. Da mesma forma que pessoas que admiram o agronegócio não têm fazendas, há pessoas que admiram os sem-terra sem ser um deles.

Não é incoerente admirar os sem-terra e ir num restaurante bacana?

Por que, é incoerente admirar o capitalismo e tirar férias? Eu vivo do meu trabalho, não exploro ninguém. Paguei para estar ali, tanto quanto um sem-terra de verdade poderia pagar, se tivesse ganhado, com o suor do seu rosto, dinheiro suficiente para isso –se não fosse explorado pelos que têm terra, por exemplo, talvez pudesse. Incoerente seria eu admirar os sem-terra e ser dona de uma fazenda que usa trabalho escravo. No entanto, tem muitos exploradores de trabalho escravo que pregam ‘ética na política’. Isso, para mim, é uma puta incoerência e não vejo a reaçada criticando.

O que você achou dessa repercussão toda em torno da foto?

Fiquei chocada ao descobrir que as pessoas andam espionando umas às outras. Um clima de X9 típico da época da ditadura militar, que, aliás, muitos que difundiram a imagem admiram. Também me impressionou a superficialidade do discurso: em vez de criticar o fato de ainda ter gente que luta por um pedaço de terra no Brasil, eles criticam que uma pessoa pobre vá comer cebolas fritas…

Você vai usar de novo essa camiseta do MST quando for ao Outback?

Será que vão me atacar se eu usar uma camiseta pró-LGBTs sem ser gay? Ou talvez prefira uma nova que tenho do Movimento dos Sem-Teto, toda roxa, quem sabe? Tem também um boné bem legal que ganhei da Marcha das Vadias…. Ou uma do Movimento Zapatista que comprei na minha última viagem ao México. Ainda não decidi.

Depois não reclame quando te chamarem de esquerda caviar.

Imagina, acho chique. Mas quero dizer que prefiro bottarga.

Debate democrático no #3BloggerPE

Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:


Um caloroso debate sobre a luta pela democratização da comunicação inaugurou, nesta sexta-feira (27), em Olinda/PE, o #3BloggerPE – Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais do Pernambuco. Com direito à demonstração de solidariedade à Venezuela – recentemente ‘condecorada’ pelos Estados Unidos com o selo de ‘ameaça’ –, a atividade reuniu blogueiros, jornalistas, estudantes e ativistas digitais de todo o estado.


A conferência ‘Democratizar é preciso – pela regulação econômica da mídia’ contou com as presenças de Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Élcio Guimarães, secretário de Comunicação da Prefeitura de Olinda; Rafael Buda, que articula o núcleo pernambucano do Barão de Itararé; e a Cônsul Geral da Venezuela no Recife, Carmen Nava Reyes, que saudou os presentes e coletou assinaturas pela revogação do decreto de Barack Obama contra o país latino-americano. A mediação ficou por conta de Lissandro Nascimento, presidente da Associação dos Blogueiros do estado do Pernambuco (AblogPE).


Conforme ressaltou Altamiro Borges, a mídia está longe de ser o quarto poder, que fiscalizaria os três poderes constituídos, mas, sim, um segundo Estado – “só que não eleito pelo povo”. “A mídia brasileira, hoje, é um Estado paralelo, controlado por oligarquias”, acrescenta, fazendo referência às sete famílias que dominam o grosso dos meios de comunicação no país.


“A velha mídia, que ainda está na época do feudalismo, detem um poder monstruoso, que mexe com a subjetividade humana e o imaginário das pessoas e que está atrelado a interesses políticos e econômicos”, afirma. “Ela interfere de forma agressiva na sociedade, pois informa e desinforma, forma e deforma. É por causa disso que se discute, no mundo todo, como estabelecer regras para que esse poder não se torne um perigo para as democracias”.


Ele lembra os exemplos da Inglaterra e dos Estados Unidos, que desde a década de 1920 possuem mecanismos de regulação da comunicação, para desconstruir o mantra tão repetido pelos barões da imprensa brasileira de que ‘regular é censura’. “A mídia colonizada adora paparicar os EUA, mas não fala que lá existe o Federal Communications Comission (FCC – espécie de Conselho de Comunicação). Na Inglaterra, existe o Ofcom. Há muito tempo se debate, isso pois a comunicação, como qualquer atividade econômica, tende ao monopólio e precisa de regras”, argumenta. Com humor, Miro questiona: “A Rainha Elizabeth II também é chavista e bolivariana?”.


Ele evoca a própria Constituição Federal, citando pontos relevantes à democratização da comunicação já previstos na carta magna brasileira e jamais regulamentados. “Se fosse levada a sério, aprimoraríamos e muito a nossa democracia, já que a Constituição prevê, entre outras coisas, a proibição do monopólio e do oligopólio, a complementaridade entre os sistemas privado, público e comunitário de comunicação e o fomento da produção regional e independente”, diz.


“Já tivemos 19 tentativas de regular a comunicação no Brasil – todas interceptadas. Até os militares e Fernando Henrique Cardoso tiveram projetos na área. Nenhum avançou”, recorda. “Temos liberdade de monopólio, não liberdade de expressão ou de imprensa”, sentencia o blogueiro.


O que fazer?


Crítico à inércia dos governos Lula e Dilma em relação ao tema, Borges avalia que a ideia de um “pacto de não-agressão” com a mídia falhou, já que ambos os presidentes “apanharam e seguem apanhando diuturnamente”. Em sua opinião, o cenário parece estar mudando após o papel extremamente partidarizado cumprido pelos grandes meios de comunicação nas eleições de 2014. “Dilma finalmente falou em regulação econômica da mídia, o que é uma sinalização importantíssima".


Em relação à conjuntura complexa instalada no país, o jornalista acredita que as manifestações de ódio nunca foram tão explícitas em nossa sociedade e que isso é resultado direto da atuação da mídia. “Ela botou o ovo da serpente”, diz. “O papel dos movimentos e ativistas digitais é muito simples, já que Dilma dá sinalizações de enfrentamento ao império midiático: aumentar a pressão”.


Uma ferramenta mencionada por Miro é o Projeto de Lei da Mídia Democrática, o ‘PLIP’, de Iniciativa Popular (saiba mais aqui). Outra, “é fortalecer rádios e TVs comunitárias, veículos sindicais e, sobretudo, o ativismo digital, incluindo os blogs, para que se multipliquem, qualifiquem e se defendam dos constantes ataques e perseguições”.


Pernambuco: perspectivas e mobilização


Fundada em 2013 nos moldes da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Empresa Pernambuco de Comunicação é fruto da articulação entre sociedade civil e movimentos que debatem e discutem a comunicação no estado. Segundo Rafael Buda, trata-se de uma experiência inovadora, que fortalece a comunicação pública no estado. “Claro que precisamos de recursos, investimento e desenvolvimento, mas é um passo enorme para a região", afirma.


Além disso, ele salienta que a AblogPE já conta com mais de 400 blogueiros. “São diversas iniciativas que nos propiciam uma experiência rica no campo das mídias alternativas. Há uma vasta produção colaborativa e independente se desenrolando no estado, em um processo que reconfigura as disputas midiáticas em nossa sociedade. Com um passo de cada vez, vamos criando musculatura”.


Buda aproveitou o encontro e fez um chamado à criação do núcleo do Barão de Itararé em Pernambuco. “A ideia é congregar quem esteja interessado nas pautas da entidade, pela luta da democratização da comunicação, para atuarmos em nosso estado".


Élcio Guimarães, Secretário de Comunicação de Olinda, exaltou a realização do #3BloggerPE: “Estamos neste evento porque entendemos que é fundamental estimularmos a diversidade informativa em nosso país”. De acordo com ele, não existe exercício da cidadania sem o direito à informação e à comunicação, assim como não existe ponto e contraponto na mídia brasileira. “Por isso, discutir a importância da liberdade de expressão, no momento pelo qual o país passa, dá a esse encontro um significado muito especial. São 480 anos de Olinda, uma cidade com um forte passado político e cultural. Respeitamos todas as opiniões e exaltamos a importância da blogosfera e do ativismo digital nas lutas do cotidiano”.