Supremo Tribunal Federal valida lei que veta candidatura de pessoas
com condenação judicial ou política. Nova regra já valerá para eleições
municipais de outubro. Para movimentos sociais, próximo passo para
melhorar política é proibir doação de empresas para campanhas
eleitorais. Entidades vão colher assinaturas para projeto popular que
cria financiamento público.
Por Najla Passos -Agência Carta Maior

O Supremo Tribunal Federal [STF] ainda nem tinha concluído o julgamento que garantiu a validade da
Lei da Ficha Limpa
para as eleições municipais deste ano, por 7 votos a 4, dia 16-02, e os movimentos de combate à corrupção e pela ética
na política já anunciavam a próxima luta prioritária: reforma política
com financiamento público de campanha.
"Já
estamos colhendo assinaturas para um novo projeto de lei de iniciativa
popular que assegure o financiamento público de campanha, para que os
candidatos vocacionados tenham igualdade de oportunidade com os que têm
acesso aos recursos financeiros", afirmou a diretora do Movimento de
Combate à Corrupção Eleitoral [MCCE], Jovita José Rosa.
Segundo ela, é preciso aproveitar esse movimento de grande mobilização e
festa em torno da vitória da Ficha Limpa para avançar ainda mais na
moralização da política brasileira. "A declaração da constitucionalidade
da lei mostra que, quando a sociedade se une, ela consegue mudar a
realidade", disse Jovita, explicando que a mobilização para colher as
assinaturas necessárias para a nova lei será intensificada.
Na verdade, os movimentos também tinham a esperança de que o projeto de
lei de reforma política que tramita na Câmara, sob relatoria do
deputado Henrique Fontana [PT-RS], pudesse vingar. Entretanto, apesar da
pressão dos movimentos sociais e dos esforços pessoais do relator, não
houve acordo para que o projeto, que acaba com doações privadas, sequer
fosse votado.
O advogado Marcelo Lavenere, da Comissão
Brasileira Justiça e Paz da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
[CNBB], reforça a importância do financiamento público de campanha e
propõe também a extensão dos critérios da Ficha Limpa para todos os
ocupantes de função pública.
"Nossa luta não termina aqui. Vamos propor outras medidas, como a extensão das exigências da
Lei da Ficha Limpa
para todos os ocupantes de funções públicas e o financiamento público
das campanhas, que deixarão de ser feitas com dinheiro de empresas que,
depois da eleição, vão cobrar, em favores, os candidatos que ajudaram a
eleger", disse.
Lavenere revela que a extensão da
Ficha Limpa a todo e qualquer ocupante de cargo público começou a
crescer durante o julgamento da Lei. "Vamos lançar uma campanha para que
todos os candidatos a prefeito, que já serão fichas limpa, se comprom a
contratarem um staff formado apenas por cidadãos não condenados pela
Justiça. E com o tempo vamos estendendo a prática para governos
estaduais, federal, legislativo e judiciário. Isso será uma outra
revolução na política brasileira".
Ficha Limpa em vigor
Dois anos após a Ficha Limpa ser sancionada, o STF determinou sua constitucionalidade, em um julgamento iniciado em novembro.
A lei impõe várias barreiras a quem quer se candidatar. O interessado
não pode ter sido condenado por crimes comuns em tribunal que tomou
decisão coletiva [de um juiz sozinho não vale], ainda que recorra a uma
corte superior. Não pode ter sido cassado -seja presidente, governador,
prefeito, parlamentar -, nem condenado na Justiça Eleitoral por comprar
voto ou abusar do poder econômico. Em todos os casos, a candidatura fica
proibida enquanto durar a pena.
A última etapa do
julgamento começou com os votos dos ministros Ricardo Lewandowski e
Carlos Ayres Britto que votaram integralmente a favor da
constitucionalidade da lei.
Lewandowski lembrou que a
Ficha Limpa surgiu da iniciativa popular, foi proposta por mais de 1,5
milhões de eleitores, recebeu apoios de igual número de pessoas,
formalizados pela internet, foi aprovada por unanimidade por 513
deputados e 81 senadores e sancionada sem nenhum veto pelo ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. "Todas as opções legislativas foram feitas
de forma consciente, bem dosada", justificou.
"Uma pessoa que desfila por toda a passarela do
Código Penal
pode ser apresentar como candidato? Candidato vem de cândido, de puro",
lembrou Britto. Ele avaliou que a Ficha Limpa vai ao encontro de outras
duas matérias julgadas pelo tribunal este ano, que representam não só o
endurecimento da legislação, mas uma verdadeira mudança de cultural no
país.
São elas a
lei Maria da Penha,
que, segundo o ministro, "se propõe a excomungar o patriarcalismo", e o
reconhecimento do poder do CNJ de investigar juízes, que, nas palavras
dele, "ataca a cultura do biombo". Para Britto, a Ficha Limpa
"implantará no país a qualidade da vida política".
O
ministro Gilmar Mendes votou contra a lei. Segundo ele, um candidato que
não foi condenado em última instância não pode ficar inelegível. O
ministro também criticou a prerrogativa concedida pela Ficha Limpa de
tornar inelegíveis profissionais expulsos por conselhos de classe por
infração ético-profissional.
O ministro Março Aurélio
de Mello surpreendeu ao aprovar a validade da Ficha Limpa. Sua única
ressalva foi no sentido de garantir que a lei não retroceda para
alcançar delitos ocorridos antes da sua validade. Para ele, os preceitos
da Ficha Limpa "visam à correção de rumos nessa sofrida pátria,
considerado um passado que é de conhecimento de todos".
O ministro Celso de Mello também manteve a posição original de votar
contra. Ele fez diversas intervenções durante o julgamento, alguma delas
bastante apelativas, com o objetivo de convencer os colegas a mudarem o
voto. O presidente da corte, Cezar Peluso, acompanhou o entendimento
dele e do ministro Gilmar Mendes. Ambos acabaram vencidos.
O ministro José Antônio Dias Toffoli, que reabriu o julgamento na
quarta, votou pela inconstitucionalidade parcial da Lei, alegando que
tornar o candidato inelegível antes da sentença transitar em julgado
fere o princípio da presunção de inocência. Nos demais aspectos,
acompanhou o voto favorável do relator.
Já haviam
votado favoráveis à lei, na sessão de quarta, as ministras Rosa Weber e
Carmem Lúcia. Em dezembro, antes do julgamento ser suspenso devido ao
pedido de vistas do ministro Antônio dias Toffoli, também votou
favorável o ministro Joaquim Barbosa.
O relator,
ministro Luiz Fux, primeiro a apresentar o voto, fez apenas uma
ressalva: fixar o prazo previsto para inelegibilidade, de oito anos, a
partir da primeira condenação em órgão colegiado. A lei prevê que este
prazo comece a contar após condenação em última instância. Neste
aspecto, também foi vencido pelos colegas.