terça-feira, 31 de março de 2015

Entidades exigem retomada de julgamento sobre financiamento privado de campanhas

Representantes de entidades da sociedade civil organizada entregaram ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, uma petição que exige a retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 4650, que trata do fim das doações de empresas para candidatos e partidos políticos. O processo está suspenso desde 02 de abril de 2014, quando, apesar de já obter seis votos a favor e apenas um contra, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas do processo. 

As entidades integram a Coalizão pela Reforma Política e Eleições Limpas e estiveram no Supremo, no último dia 25 de março, com o objetivo de que seja cumprido o Regimento Interno do STF, que prevê a breve retomada dos julgamentos suspensos por pedidos de vista. Dentre elas incluem-se: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora da Ação, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e a União Nacional dos Estudantes (UNE). 

Após a reunião, Lewandowski despachou, imediatamente, encaminhando o pedido aos ministros Luiz Fux, relator da Ação, e Gilmar Mendes. Dias antes, ele havia anunciado que daria prioridade ao julgamento de processos com pedidos de vista. "A mudança no modelo de financiamento é um dos principais temas de uma reforma política democrática. Infelizmente, há um ano, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas e ‘sentou em cima’ do processo, impedindo que o julgamento tenha fim”, destaca a presidenta da UNE, Vic Barros.
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Movimento pela Reforça Política acendeu 365 velas na Praça dos Três Poderes, em Brasília, para lembrar um ano do pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Na faixa, lê-se "Devolve, Gilmar”. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil.


Segundo o presidente da OAB, Marcos Vinícius Furtado Coêlho, o atual sistema político, com prevalência do poder econômico, não pode continuar. "Entendemos que é importante para o Brasil uma definição da matéria para que possamos todos ter, após essa definição, a adoção dos caminhos necessários ao Brasil”, afirma. Para ele, é preciso construir consensos e aprovar uma reforma política que melhore o sistema político. 

O secretário-geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, argumenta que a conclusão do julgamento é necessária para evitar que uma possível decisão pela procedência da Adin não possa ser aplicada já nas eleições municipais de 2016, em virtude do princípio da anualidade. Para Steiner, isso frustraria a expectativa de sua vigência e permitiria graves danos ao processo eleitoral. 

"Estamos vendo a realidade nua e crua da influência do financiamento das empresas. Estamos todo dia no noticiário e gostaríamos de ver resolvida essa questão. Creio que o Supremo poderá nos dar luz e ajudar a sociedade brasileira”, reforçou o bispo. 

Também neste mês, os deputados federais Jorge Solla (Partido dos Trabalhadores – PT – Bahia) e Henrique Fontana (PT – Rio Grande do Sul) entraram com uma representação contra Gilmar Mendes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os parlamentares alegam que Mendes deve responder a um processo administrativo pela demora na conclusão do voto. 

Voto a voto no Supremo 

Até abril de 2014, a maioria dos membros da Corte havia se posicionado contra as doações feitas por Pessoas Jurídicas. Os ministros Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Joaquim Barbosa (aposentado) alinharam-se à corrente defendida pelo relator, Luiz Fux. Único a votar pela validade das doações de empresas, o ministro Teori Zavascki apresentou seu voto-vista e abriu a divergência. Faltam os votos de Gilmar Mendes, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello.
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Representantes das entidades da sociedade civil entregam petição ao ministro Ricardo Lewandowski. Foto: STF.



Ações da mobilização 

Além a entrega do documento, os movimentos sociais realizaram uma vigília cívica na Praça dos Três Poderes, em Brasília, acendendo 365 velas para lembrar o período de um ano do pedido de vista de Mendes. No dia anterior, a Coalizão distribuiu 200 sacos com o símbolo do cifrão ($), representando dinheiro, em frente ao Congresso Nacional, como forma de protestar contra o financiamento empresarial de campanha. 

Os atos integraram a programação de atividades da Semana Nacional de Mobilização pela Reforma Política, que teve início no dia 20 de março e prosseguiu até o último dia 29. A coleta de assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular, entretanto, prossegue em todo o país. A matéria propõe, dentre outros pontos, o fim do financiamento privado de campanhas, a inclusão política das mulheres e outros grupos sub-representados e o aperfeiçoamento da democracia direta. Assine aqui
(com agências) 

Marcela Belchior
Adital

A monótona técnica do ludibrio

Adital
Por Sued Lima*

As artimanhas presentes nos processos de agressões desfechadas por potências ocidentais contra nações soberanas ao longo dos últimos cem anos são de tal ordem repetitivas que surpreende ser o invariável e monótono enredo digno de alguma credibilidade junto ao distinto público.


As montagens de burlas já penalizaram dezenas de países nas mais variadas regiões do planeta. O roteiro pouco original apresenta os atores de sempre se dizendo preocupados com os perigos que corre a democracia em determinado país e logo se movem para derrubar o dirigente, quer tenha sido eleito ou não. A complementação da intervenção ocorre, se necessário, pelo emprego de força militar.
Foi esse o caminho percorrido no Brasil, em 1964, conforme gravações divulgadas de conversas havidas no gabinete do presidente John Kennedy. A Embaixada dos EEUU e organismos por eles criados, como o IBAD e o IPES, atuaram fortemente para minar o governo de Jango. Por ocasião do golpe militar, uma poderosa força naval norte-americana estacionava no litoral brasileiro pronta para intervir e assegurar a vitória do golpe.

O caos em que se transformou a Líbia é outra evidência mais recente do modus operandi da França, Inglaterra e, uma vez mais, EEUU, para destruir um governo pouco receptivo a seus interesses.
No momento, modelo semelhante de encenação desenvolve-se na Ucrânia. O presidente Viktor Yanukovych, constitucionalmente eleito em fevereiro de 2010, com 48% dos votos, foi deposto em fevereiro de 2014. Em meio à agitação que tomava conta da capital Kiev, ocorreu um episódio revelador: Victoria Nuland, a mais alta funcionária do governo norte-americano para a Europa, foi flagrada em conversa telefônica com o embaixador de seu país na Ucrânia sobre o apoio a ser dado à turbulência política. Ante as ponderações do diplomata, Nuland determinou: "Fuck the European Union” (Que se f... a União Europeia).

O novo regime se impôs pela violência de seus apoiadores, em grande parte composta por nazistas. Entre as medidas programadas, destacou-se a proibição do idioma russo em território ucraniano, o que atingiria cerca de 8,5 milhões de pessoas que habitam o leste do país, 17,3% de sua população. Em maio do ano passado, na cidade de Odessa, um grupo terrorista leal a Kiev incendiou o prédio sede dos sindicatos da cidade. Morreram 36 pessoas carbonizadas ou executadas com armas de fogo. Esses batalhões nazistas vêm se tornando um problema para o próprio governo. Financiados por oligarcas, essas unidades paramilitares, além da violência desenfreada contra os rebeldes, afrontam o próprio exército ucraniano.

Em julho, uma aeronave da Malásia, cumprindo linha comercial regular, foi abatida em território ucraniano. Antes mesmo do início da investigação, Kiev e Washington afirmaram tratar-se de ataque criminoso desfechado por rebeldes separatistas. Com o surgimento de evidências apontando para o fato de o avião ter sido derrubado por míssil lançado por um caça ucraniano, o assunto sumiu do noticiário.

A história da Rússia é rica em coragem, heroísmo e resistência a invasões de diversas procedências, de Napoleão a Hitler, sem esquecer o ataque desencadeado pela França, Inglaterra e Japão, em 1920, cujo objetivo era liquidar a Revolução Socialista de 1917. Cada uma dessas guerras representou elevado número de perdas humanas e materiais para o país. Número pouco comentado no ocidente, somente na Segunda Guerra cerca de 27 milhões de soviéticos perderam a vida. Por tudo isso, o povo russo sabe que sua sobrevivência depende de sua capacidade de defesa, o que gera o enorme apoio popular às medidas adotadas pelo presidente Putin no sentido de preservar suas fronteiras da presença ameaçadora deforças militares da OTAN.

Os EEUU agem no sentido contrário e avançam no controle de Estados limítrofes com a Rússia. Suas ações de apoio político e militar ao governo ucraniano, como o recente anúncio de fornecimento de armas de ataque a Kiev, representam evidente pressão no sentido de agravar a confrontação que se avizinha. França e Alemanha sabem que seus territórios inexoravelmente se tornarão teatro de guerra, o que leva seus dirigentes a buscarem prudência no trato da questão.

Geograficamente distantes do potencial conflito, os EEUU aparentam desconsiderar os riscos de um confronto nuclear para o planeta. Enquanto o presidente Obama engrossa a voz com os russos, senadores norte-americanos criticam alemães e franceses por se oporem ao envio de armas a Kiev.
Ao que parece, a sensatez é artigo raro no centro do império.

*Coronel Aviador Ref. e pesquisador do Observatório das Nacionalidades
Fonte: Jornal O Povo

Para que serve a educação?

Frei Betto
Adital

Uma educação crítica e cooperativa é capaz de reproduzir as bases materiais e espirituais de uma sociedade baseada na solidariedade.

A educação detém o poder de destronar uma racionalidade dominante para introduzir outra, desde que não seja meramente teórica e se vincule a processos efetivos de produção material da existência.

Não diferimos dos animais por nossa capacidade de pensar, e sim de reproduzir nossos meios de sobrevivência.

Uma educação libertadora é a que almeja conquistar hegemonia por consenso, por práticas efetivas, e não por coerção ideológica. Deve abranger todas as disciplinas escolares, das ciências exatas à educação física, superando relações fundadas na economia de trocas para a economia solidária, baseada na cooperação.
As relações mercantilistas influem nas concepções daqueles que as adotam ou se deixam reger por elas, pois acentuam o individualismo e induzem os educandos a acreditar que o mercado obedece a uma "lei natural”, e que fora dele não há alternativa... É isso que nos leva a, literalmente, torturar a natureza para que ela nos forneça seus frutos o quanto antes.

Há que perguntar: para que serve a educação? Para adaptar os educandos ao status quo? Para transmitir o patrimônio cultural da humanidade como se ele resultasse da ação destemida de heróis e gênios? Para formar mão de obra qualificada ao mercado de trabalho? Para adestrar indivíduos competitivos?
Um educação crítica e solidária engloba todos os atores da instituição escolar: alunos, professores, funcionários e suas respectivas famílias. E ultrapassa os muros da escola para se vincular participativamente ao bairro, à cidade, ao país e ao mundo.

As portas da escola permanecem abertas a movimentos sociais, atores políticos, artistas, trabalhadores. E a ótica de seu processo pedagógico enfatiza esta verdade que a lógica mercantilista tenta encobrir: tanto a evolução da natureza quanto a história da humanidade têm seus fundamentos muito mais centrados na cooperação, na solidariedade, que na seleção natural, na competitividade e na exclusão.

O valor da escola se avalia por sua capacidade de inserir educandos e educadores em práticas sociais cooperativas e libertadoras. Por isso é indispensável que a escola tenha clareza de seu projeto político pedagógico, em torno do qual deve prevalecer o consenso de seus educadores. Sem essa perspectiva, a escola corre o risco de ficar refém da camisa de força de sua grade curricular, como mero aparelho burocrático de reprodução bancária do saber.

Reinventar o futuro é começar por revolucionar a escola, transformando-a em um espaço cooperativo no qual se intercalem a formação intelectual (consciência crítica), científica e artística de protagonistas sociais comprometidos eticamente com os desafios de construir outros mundos possíveis, fundados na partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Mário Sérgio Cortella, de "Sobre a esperança” (Papirus), entre outros livros.