sexta-feira, 13 de março de 2015

“A esquerda sai de alma lavada”



No dia 25 de janeiro de 1984, eu tinha 15 anos, uma vaga noção do que eram as Diretas-Já, mas a certeza de que devia estar na Praça da Sé. Era uma data histórica demais para não ser uma entre as mais de 300 mil pessoas presentes à “maior manifestação já realizada em São Paulo desde a Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, segundo a Folha de S.Paulo. Em 13 de março de 2015, aqui estou eu de novo nas ruas. Se são 100 mil, 41 mil ou 12 mil manifestantes, não importa. Esta é uma história que não podia deixar de ser contada.

Vera Lúcia, Marcos, Sergio, José Augusto, Jamil, Andrea, Natalia, Polyana, Gabrielle, Anna Cecilia e Sabrina são meus personagens. Por que eles e não outros? Porque já é muito se comparado com o que o resto da imprensa vai escrever. Pessoas viram números na maioria das reportagens, como se cada uma delas não guardasse histórias de vidas que valessem a pena ser narradas.

                                           Vera Oliveira, agricultora do Vale do Ribeira – Fotos: Eduardo Nunomura
São 14h20 e um grupo de 600 pessoas do vale do Ribeira caminha lentamente pela avenida Paulista, na direção do Museu de Arte de São Paulo (Masp). A bananicultora Vera Lúcia de Oliveira, de 58 anos, é uma delas. Secretária de Política para Mulheres da Federação da Agricultura Familiar, não escondia o discurso de uma típica eleitora de Dilma Rousseff e do PT. “Vim defender a Petrobras, os programas sociais, a política de habitação popular e me opor a usar o recurso deles para pagar o déficit fiscal”, diz.
Em Sete Barras (SP), no vale do Ribeira, Vera Lúcia é uma líder atuante. É ela quem organiza os ônibus e os trabalhadores que vão engrossar manifestações sindicais Brasil afora. Desta vez, foram 12 ônibus. Das bananas que cultiva, ela obtém em torno de um salário mínimo e meio (1.200 reais) por mês. É pouco, mas antes era pior. “Hoje, cada prefeitura é obrigada a comprar 30% da agricultura familiar. Trabalhamos para ampliar nosso mercado.”
Vera Lúcia não tem tempo para descansar e ouvir alguns discursos de professores da rede estadual paulista no Masp, que minutos antes haviam decretado greve a partir de segunda-feira. Chega no meio de uma confusão entre manifestantes (leia o relato aqui) e logo se soma aos que estavam no ato em defesa da Petrobras e do governo Dilma. Começa a chover. A cântaros. Blocos de anotações não combinam com água. Na parte de trás de uma banca de jornal, um providencial abrigo me presenteia com dois novos personagens. Marcos e Sergio discutem, mas civilizadamente.
“Não estou subestimando, mas é uma coisa que ainda está longe de acontecer”, afirma Marcos Kennedy, de 28 anos. Ele se refere ao movimento pró-impeachment da presidente. Sérgio Paulo da Silva, de 43, retruca: “A luta pela defesa da democracia é muito mais urgente, não estou desprezando as suas reivindicações”. Marcos e Sérgio são colegas de universidade, da Uninove, onde se formaram professores. Reencontraram-se na rua. Ambos concordam que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) pegou uma “carona” ao marcar um ato no mesmo dia da assembleia dos professores. Decidida a greve, discordavam se deviam seguir com um ou outro grupo.


      Os professores Sérgio Paulo da Silva e Marcos Kennedy divergem sobre os objetivos do ato

Marcos relata as dificuldades enfrentadas pelos professores da rede estadual paulista. Não há material de limpeza, não há mesas de professores, o mato do “jardim” da escola. E o clima é de tensão, depois da demissão, pelo governo tucano de
Geraldo Alckmim, de mais de 20 mil profissionais com contrato temporário. Ainda assim, Sérgio afirma que “lutas satélites” dos trabalhadores, neste momento, podem fazer o país retroceder para uma época em que essa discussão nem fazia sentido. “Só fui fazer faculdade aos 30 e poucos anos, com o Prouni. Não quero voltar ao tempo em que havia uma divisão profunda entre pobres e ricos”, diz o ex-operador de máquinas que hoje leciona história.
A tempestade não dá tréguas e o jeito é negociar um desconto para comprar um guarda-chuva para acompanhar a marcha (sim, uma marcha não fica parada). A rede de #JornalistasLivres dispara pelo Whatsapp que o site do jornal Valor Econômico informa que manifestantes recebem R$ 35 para estar naquele ato. Mas como encontrar naquela multidão o desempregado Edmilson Barbosa, o único personagem citado na reportagem? Nem vou perder meu tempo.

Em vez disso, o repórter descobre uma jovem universitária contando os números de manifestantes na avenida Paulista, entre rua Peixoto Gomide e alameda Ministro Rocha Azevedo, para o Datafolha. Planilha na mão, ela marca com um traço ou um círculo o número de pessoas. Por uma jornada das 9h até as 21h, recebe R$ 95. Ainda são 16h, faltando cinco para acabar o trabalho. “Não tá valendo, não.” O instituto cravou 41 mil pessoas no ato – menos que os 100 mil, segundo a CUT, e mais que os 12 mil da Polícia Militar.

       José Augusto Camargo e Jamil Murad (PCdoB)
Na descida da rua da Consolação, o presidente do Sindicato de Jornalistas de São Paulo, José Augusto Camargo, se depara com Jamil Murad, presidente do PCdoB da capital paulista. “Eles conseguiram que a gente se unificasse de novo”, alegra-se o político. “É um ato conjunto e plural, de muita diversidade, e é só o primeiro.” O sindicalista concorda. “É difícil segurar agora. Isto aqui é fruto de movimentos organizados, enquanto quem está por trás do movimento do dia 15 são grupos minoritários. Quer uma manchete? Escreve aí: ‘A esquerda sai de alma lavada’.”
Minutos depois, a chuva dá uma trégua. A multidão agita as bandeiras e os comerciantes apenas assistem a tudo. Muitos cerram as portas, em pleno expediente de sexta-feira. Trabalhadores que queriam voltar para casa se desviam da massa. “Pode chover/ pode molhar/ ninguém segura a resistência popular/ pode chover/ pode molhar/ e a Petrobras ninguém vai privatizar”, cantam os manifestantes. A polícia filma e acompanha tudo de perto, mas não houve registro de confronto ou depredação em nenhum dos 25 estados que se manifestaram, segundo admite William Bonner no Jornal Nacional da sexta-feira 13.

A aposentada Natália Rosa da Silva, de 59 anos, puxa o ex-vereador e médico Jamil Murad para uma foto com ela, a filha e outras mulheres da Unegro. Ex-auxiliar de enfermagem, Natalia conheceu Jamil quando ele atendia no Hospital do Servidor, no fim dos anos 1980. Desde então vota nele. “Vim para contrapor ao que a mídia fala. Aqui é um monte de gente que acredita na política”, explica Natalia. “Eu sei o real sentido de quem está na luta para sobreviver. Criei sozinha quatro filhos, e foi muito complicado. Hoje, consigo que minha caçula faça uma faculdade.”

Andréa Nascimento, de 40 anos, é uma das filhas de Natália, mas não a caçula. Secretária, ela compara a sua vida com a de seu filho do meio. “Ele ganha R$ 1.000 e só tem 16 anos. Eu ganhava isso com 28 anos, e com esse salário paguei minha faculdade, com muito custo. O Bruno também faz faculdade, de marketing, e entrou pelo Prouni.” E por que participar do ato? “Há uma luta de classes, pobres e ricos estão digladiando. Estou do lado da Dilma, defendendo o que é nosso.”


                                                                           A sem-teto Polyana e sua filha Alicia
O temporal reinicia impiedoso. São 18h e a rua da Consolação está tomada de manifestantes. Poucos arredam pé da marcha. Nem mesmo Polyana Alves, de 26 anos, e sua filha Alícia, de 4. A pequena tem um guarda-chuva. A mãe, não. O repórter lhe dá carona e conhece sua história. Alagoana, que veio a São Paulo dois anos atrás, ela participa de uma ocupação de sem-teto da Frente de Luta pela Moradia (FLM). Mora de forma precária na avenida São João. “Estou sem emprego, e não consigo um porque não tenho com quem deixar minha filha”, afirma. Polyana já trabalhou de empregada doméstica, mas com o que ganhava mal podia pagar o aluguel. Participar deste ato é mais um dia de luta entre tantos outros em que ela é levada pelos líderes dos sem-teto para protestar por moradia.
Os carros de som se encontram na praça da República. A chuva cessa e a multidão começa a se dispersar. A tinta verde-e-amarela no rosto da universitária Gabrielle Perez, de 18 anos, foi praticamente lavada com a chuva. Com exceção dos festivos militantes da União da Juventude Socialista (UJS), vi poucos estudantes nesse ato, talvez por estarem dispersos. Bem diferente das passeatas de 1992, onde éramos numerosos e barulhentos. Mas entendi completamente quando Gabrielle, que cursa gestão empresarial na Fatec, explicou porque queria parecer uma cara-pintada. “Eles estão dizendo que vão vir domingo (15) como os rostos pintados e gritando ‘fora, Dilma’ como aconteceu com o ‘fora, Collor’. Mas não há a menor relação, porque hoje é que deveriam estar os cara-pintadas”, diz.

A universitária afirma que nada mudará sem uma reforma política, mas isso passa pela conscientização de seus colegas. “Éramos adolescentes na era Lula e a maioria de nós não tem uma percepção clara dos avanços sociais dos últimos anos. É por isso que não há tantos jovens aqui e outros tantos estejam contra a Dilma.”
Perto das 19 horas, policiais militares fazem um paredão humano e empurram os manifestantes para as calçadas. A ordem é deixar ruas e avenidas livres. Educadoras aproveitam os últimos minutos para abrir a faixa com os dizeres “verás que um filho teu não foge à luta – a história da luta democrática no Brasil”. As pessoas querem tirar uma foto que sintetiza o dia que viveram. É uma faixa batizada pela chuva, mas já carregada de história. No ano passado, para marcar os 50 anos da ditadura militar, professores do Centro Educacional Unificado (CEU) do Butantã fizeram uma exposição que abordava esse tema. Quando souberam do ato em defesa da democracia, Anna Cecília Simões, Sabrina Teixeira e outras colegas a trouxeram para as ruas.


Grupo de educadoras da rede municipal no Butantã exibem faixa-síntese do dia

“Queremos um Brasil dos direitos, dos cuidados, do interesse público, da participação popular, da diversidade, de menos desigualdades”, resume Anna Cecília, de 57 anos, supervisora da Diretoria Regional da Educação da Prefeitura de São Paulo. Nos anos 1980, já na redemocratização, a educadora ajudou na implementação dos Centros Integrados de Educação Pública, os Cieps concebidos por 
Darcy Ribeiro e mais lembrados como Brizolões, por causa do então governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola. Depois, foi chamada por Marta Suplicy para criar os CEUs. “Temos instituições cada vez mais fortalecidas e tenho orgulho do que conquistamos até agora.”
Sabrina, de 35 anos, é gestora do CEU Butantã e completa o pensamento da colega. “A nossa principal bandeira é o que defendemos na nossa faixa, a luta democrática. Mas também defendemos uma Constituinte para que a reforma política seja feita, porque do jeito que as coisas estão as outras transformações não virão”, diz. “Queremos um Brasil de qualidade para todos os nossos meninos e meninas. E isso significa nenhum a menos.”
O Brasil que não quer se dividir, nem deixar ninguém para trás, fez história neste 13 de março de 2015. E esta foi a minha história.
#JornalistasLivres em defesa da democracia: cobertura colaborativa; textos e fotos podem ser reproduzidos, desde de que citada a fonte e a autoria. Mais textos e fotos em facebook.com/jornalistaslivres.


Manifestações pacíficas reúnem milhares em 24 estados e no DF

Passeatas e atos públicos foram convocados pelo MST, pela UNE e pela Central Única dos Trabalhadores, entre outras entidades.


Ao longo desta sexta-feira, cidades de 24 estados e o Distrito Federal tiveram passeatas e atos públicos convocados pelo MST, pela UNE e pela Central Única dos Trabalhadores, entre outras entidades. A CUT informou que convocou esse Dia Nacional de Luta para apoiar direitos da classe trabalhadora, a Petrobras, a Democracia e a Reforma Política. Em vários atos pelo país, houve manifestações de apoio à presidente 
Dilma Rousseff.
As passeatas e atos públicos começaram de manhã em 14 cidades do país. Logo cedo, manifestantes tomaram as ruas do Recife. Segundo a PM, eram 1,5 mil. A CUT contou 3 mil. No caminho, a bandeira de Dilma e a do Brasil estavam lado a lado na janela de um prédio.
A defesa da Petrobras, do governo Dilma e da democracia foram bandeiras comuns à maioria dos manifestantes. Mas teve outras reinvindicações. A CUT, saiu em defesa da classe trabalhadora, pedindo que a presidente Dilma retire as medidas provisórias que mexem em direitos trabalhistas, como o seguro desemprego e a pensão por morte.
Uma faixa contra as Medidas Provisórias estava na manifestação em Fortaleza. O ato foi na manhã desta sexta-feira (13) e tanto a PM, quanto a CUT, contaram 500 manifestantes.
Em Salvador, a manifestação, também pela manhã, reuniu 3 mil pessoas, segundo o Sindicato dos Petroleiros. Para a PM, foram 800. Houve discursos em defesa da democracia e aplausos para a presidente Dilma.
Em Maceió, a CUT também defendeu a democracia e a reforma política. Para os sindicalistas, o ato reuniu 3 mil pessoas. A PM diz que foram mil.
Em Campo Grande, os manifestantes levaram crianças para a praça. Pelos cálculos da Polícia Militar, 1,8 mil estavam na manifestação. De acordo com a CUT, havia 10 mil pessoas no protesto.
Em Florianópolis, a faixa erguida pedia a "reforma política para fortalecer a democracia e combater a corrupção". “Agora, nós não aceitamos a violência, não aceitamos o ódio.”, disse um manifestante em um carro de som.
Para a PM, 300 pessoas participaram do protesto em Florianópolis. E para a CUT, foram mil.
Em João Pessoa, 30 sindicatos trabalhistas convocaram o protesto, que segundo a PM, contou com 800 pessoas.
Em Aracajú, foram 3 mil manifestantes, segundo os organizadores. E 700, segundo a PM. Houve passeata pelas ruas da cidade defendendo a Petrobras e pedindo reforma agrária.
Em Brasília, cartazes pediam o fim da corrupção com reforma política. Os manifestantes gritaram palavras de ordem em defesa do governo: "Não vai ter golpe".
Segundo a PM, a manifestação reuniu 1,5 mil pessoas na rodoviária. Para os organizadores, eram 5 mil.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, houve protestos de manhã e à tarde. Começou logo cedo, com uma caminhada em defesa da Petrobras, pela Rodovia Fernão Dias até a porta da refinaria Gabriel Passos, em Betim. À tarde, o encontro foi na Praça Afonso Arinos, no centro de Belo Horizonte. Participaram do protesto 10 mil pessoas, segundo os organizadores, e 1,2 mil, segundo a PM.
No Rio de Janeiro, segundo a PM, mais de mil pessoas participaram do ato, na Cinelândia, no centro da cidade. "Nós precisamos fazer a defesa clara da nossa conquista democrática.", disse uma mulher em um caminhão de som.
O Sindicato dos Petroleiros informou que deu uma ajuda de custos, para os militantes, para gastos com alimentação.
Em São Paulo, a concentração começou no início da tarde, na Avenida Paulista, em frente ao prédio da Petrobras. Eles exibiram faixas dizendo que corrupção se combate com reforma política, em defesa da Petrobras e em apoio à presidente Dilma.

A CUT forneceu transporte para parte dos manifestantes. No caminhão de som, líderes de centrais sindicais e do MST se revezaram nos discursos e explicaram os motivos da manifestação.

“Pelos direitos dos trabalhadores, pela democracia, contra qualquer tipo de retrocesso, em defesa da Petrobras como empresa pública.”, disse Vagner de Freitas, presidente da CUT.

“Esse manifesto não é nem contra nem a favor o governo Dilma. Esse manifesto é em defesa de uma reforma política nesse país. Se nós quisermos combater a corrupção é preciso, no mínimo, estabelecer formas de participação popular.”, disse Gilmar Mauro, coordenador nacional do MST.
Depois dos discursos em frente ao prédio da Petrobras, os manifestantes caminharam alguns metros pela Avenida Paulista, totalmente interrompida, até o Masp para se encontrar com professores que estão em campanha salarial. O protesto aumentou. Pelas contas da Polícia Militar, 12 mil pessoas participaram. Já a CUT disse que 100 mil pessoas estiveram na manifestação. A passeata desceu a rua da Consolação e terminou na Praça da República, no centro da cidade.
Governo e oposição acompanham as manifestações
Políticos do governo e da oposição acompanharam as manifestações desta sexta-feira (13). O líder da oposição no senado, Álvaro Dias, do PSDB do Paraná, afirmou que os atos não mobilizaram o país.
“É inevitável constatar que houve um fracasso de público, mostra que a impopularidade do governo está no fundo do poço, mas é muito bom para democracia esse confronto de posições divergentes de forma pacífica, legitima, democrática, faz bem ao país, ajuda a conscientizar, politizar, amadurecer politicamente, não é?”, disse o senador Álvaro Dias, do PSDB-PR.
O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, destacou o direito da população se manifestar.
“Tem um lado bonito das manifestações que é a conquista da democracia. É o direito de se manifestar, de se organizar, de protestar, de reivindicar. Isso é vitalidade. Não tem que ser visto com inquietação. O que não pode é ter violência, não pode ter radicalismos, não pode ter intransigências, não pode ter uma cultura golpista. Porque a democracia não é só o direito de se manifestar.”, disse Aloizio Mercadante, ministro-chefe da Casa Civil.
Fonte: G1