terça-feira, 31 de março de 2015

Entidades exigem retomada de julgamento sobre financiamento privado de campanhas

Representantes de entidades da sociedade civil organizada entregaram ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, uma petição que exige a retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 4650, que trata do fim das doações de empresas para candidatos e partidos políticos. O processo está suspenso desde 02 de abril de 2014, quando, apesar de já obter seis votos a favor e apenas um contra, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas do processo. 

As entidades integram a Coalizão pela Reforma Política e Eleições Limpas e estiveram no Supremo, no último dia 25 de março, com o objetivo de que seja cumprido o Regimento Interno do STF, que prevê a breve retomada dos julgamentos suspensos por pedidos de vista. Dentre elas incluem-se: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora da Ação, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e a União Nacional dos Estudantes (UNE). 

Após a reunião, Lewandowski despachou, imediatamente, encaminhando o pedido aos ministros Luiz Fux, relator da Ação, e Gilmar Mendes. Dias antes, ele havia anunciado que daria prioridade ao julgamento de processos com pedidos de vista. "A mudança no modelo de financiamento é um dos principais temas de uma reforma política democrática. Infelizmente, há um ano, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas e ‘sentou em cima’ do processo, impedindo que o julgamento tenha fim”, destaca a presidenta da UNE, Vic Barros.
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Movimento pela Reforça Política acendeu 365 velas na Praça dos Três Poderes, em Brasília, para lembrar um ano do pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Na faixa, lê-se "Devolve, Gilmar”. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil.


Segundo o presidente da OAB, Marcos Vinícius Furtado Coêlho, o atual sistema político, com prevalência do poder econômico, não pode continuar. "Entendemos que é importante para o Brasil uma definição da matéria para que possamos todos ter, após essa definição, a adoção dos caminhos necessários ao Brasil”, afirma. Para ele, é preciso construir consensos e aprovar uma reforma política que melhore o sistema político. 

O secretário-geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, argumenta que a conclusão do julgamento é necessária para evitar que uma possível decisão pela procedência da Adin não possa ser aplicada já nas eleições municipais de 2016, em virtude do princípio da anualidade. Para Steiner, isso frustraria a expectativa de sua vigência e permitiria graves danos ao processo eleitoral. 

"Estamos vendo a realidade nua e crua da influência do financiamento das empresas. Estamos todo dia no noticiário e gostaríamos de ver resolvida essa questão. Creio que o Supremo poderá nos dar luz e ajudar a sociedade brasileira”, reforçou o bispo. 

Também neste mês, os deputados federais Jorge Solla (Partido dos Trabalhadores – PT – Bahia) e Henrique Fontana (PT – Rio Grande do Sul) entraram com uma representação contra Gilmar Mendes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os parlamentares alegam que Mendes deve responder a um processo administrativo pela demora na conclusão do voto. 

Voto a voto no Supremo 

Até abril de 2014, a maioria dos membros da Corte havia se posicionado contra as doações feitas por Pessoas Jurídicas. Os ministros Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Joaquim Barbosa (aposentado) alinharam-se à corrente defendida pelo relator, Luiz Fux. Único a votar pela validade das doações de empresas, o ministro Teori Zavascki apresentou seu voto-vista e abriu a divergência. Faltam os votos de Gilmar Mendes, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello.
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Representantes das entidades da sociedade civil entregam petição ao ministro Ricardo Lewandowski. Foto: STF.



Ações da mobilização 

Além a entrega do documento, os movimentos sociais realizaram uma vigília cívica na Praça dos Três Poderes, em Brasília, acendendo 365 velas para lembrar o período de um ano do pedido de vista de Mendes. No dia anterior, a Coalizão distribuiu 200 sacos com o símbolo do cifrão ($), representando dinheiro, em frente ao Congresso Nacional, como forma de protestar contra o financiamento empresarial de campanha. 

Os atos integraram a programação de atividades da Semana Nacional de Mobilização pela Reforma Política, que teve início no dia 20 de março e prosseguiu até o último dia 29. A coleta de assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular, entretanto, prossegue em todo o país. A matéria propõe, dentre outros pontos, o fim do financiamento privado de campanhas, a inclusão política das mulheres e outros grupos sub-representados e o aperfeiçoamento da democracia direta. Assine aqui
(com agências) 

Marcela Belchior
Adital

A monótona técnica do ludibrio

Adital
Por Sued Lima*

As artimanhas presentes nos processos de agressões desfechadas por potências ocidentais contra nações soberanas ao longo dos últimos cem anos são de tal ordem repetitivas que surpreende ser o invariável e monótono enredo digno de alguma credibilidade junto ao distinto público.


As montagens de burlas já penalizaram dezenas de países nas mais variadas regiões do planeta. O roteiro pouco original apresenta os atores de sempre se dizendo preocupados com os perigos que corre a democracia em determinado país e logo se movem para derrubar o dirigente, quer tenha sido eleito ou não. A complementação da intervenção ocorre, se necessário, pelo emprego de força militar.
Foi esse o caminho percorrido no Brasil, em 1964, conforme gravações divulgadas de conversas havidas no gabinete do presidente John Kennedy. A Embaixada dos EEUU e organismos por eles criados, como o IBAD e o IPES, atuaram fortemente para minar o governo de Jango. Por ocasião do golpe militar, uma poderosa força naval norte-americana estacionava no litoral brasileiro pronta para intervir e assegurar a vitória do golpe.

O caos em que se transformou a Líbia é outra evidência mais recente do modus operandi da França, Inglaterra e, uma vez mais, EEUU, para destruir um governo pouco receptivo a seus interesses.
No momento, modelo semelhante de encenação desenvolve-se na Ucrânia. O presidente Viktor Yanukovych, constitucionalmente eleito em fevereiro de 2010, com 48% dos votos, foi deposto em fevereiro de 2014. Em meio à agitação que tomava conta da capital Kiev, ocorreu um episódio revelador: Victoria Nuland, a mais alta funcionária do governo norte-americano para a Europa, foi flagrada em conversa telefônica com o embaixador de seu país na Ucrânia sobre o apoio a ser dado à turbulência política. Ante as ponderações do diplomata, Nuland determinou: "Fuck the European Union” (Que se f... a União Europeia).

O novo regime se impôs pela violência de seus apoiadores, em grande parte composta por nazistas. Entre as medidas programadas, destacou-se a proibição do idioma russo em território ucraniano, o que atingiria cerca de 8,5 milhões de pessoas que habitam o leste do país, 17,3% de sua população. Em maio do ano passado, na cidade de Odessa, um grupo terrorista leal a Kiev incendiou o prédio sede dos sindicatos da cidade. Morreram 36 pessoas carbonizadas ou executadas com armas de fogo. Esses batalhões nazistas vêm se tornando um problema para o próprio governo. Financiados por oligarcas, essas unidades paramilitares, além da violência desenfreada contra os rebeldes, afrontam o próprio exército ucraniano.

Em julho, uma aeronave da Malásia, cumprindo linha comercial regular, foi abatida em território ucraniano. Antes mesmo do início da investigação, Kiev e Washington afirmaram tratar-se de ataque criminoso desfechado por rebeldes separatistas. Com o surgimento de evidências apontando para o fato de o avião ter sido derrubado por míssil lançado por um caça ucraniano, o assunto sumiu do noticiário.

A história da Rússia é rica em coragem, heroísmo e resistência a invasões de diversas procedências, de Napoleão a Hitler, sem esquecer o ataque desencadeado pela França, Inglaterra e Japão, em 1920, cujo objetivo era liquidar a Revolução Socialista de 1917. Cada uma dessas guerras representou elevado número de perdas humanas e materiais para o país. Número pouco comentado no ocidente, somente na Segunda Guerra cerca de 27 milhões de soviéticos perderam a vida. Por tudo isso, o povo russo sabe que sua sobrevivência depende de sua capacidade de defesa, o que gera o enorme apoio popular às medidas adotadas pelo presidente Putin no sentido de preservar suas fronteiras da presença ameaçadora deforças militares da OTAN.

Os EEUU agem no sentido contrário e avançam no controle de Estados limítrofes com a Rússia. Suas ações de apoio político e militar ao governo ucraniano, como o recente anúncio de fornecimento de armas de ataque a Kiev, representam evidente pressão no sentido de agravar a confrontação que se avizinha. França e Alemanha sabem que seus territórios inexoravelmente se tornarão teatro de guerra, o que leva seus dirigentes a buscarem prudência no trato da questão.

Geograficamente distantes do potencial conflito, os EEUU aparentam desconsiderar os riscos de um confronto nuclear para o planeta. Enquanto o presidente Obama engrossa a voz com os russos, senadores norte-americanos criticam alemães e franceses por se oporem ao envio de armas a Kiev.
Ao que parece, a sensatez é artigo raro no centro do império.

*Coronel Aviador Ref. e pesquisador do Observatório das Nacionalidades
Fonte: Jornal O Povo

Para que serve a educação?

Frei Betto
Adital

Uma educação crítica e cooperativa é capaz de reproduzir as bases materiais e espirituais de uma sociedade baseada na solidariedade.

A educação detém o poder de destronar uma racionalidade dominante para introduzir outra, desde que não seja meramente teórica e se vincule a processos efetivos de produção material da existência.

Não diferimos dos animais por nossa capacidade de pensar, e sim de reproduzir nossos meios de sobrevivência.

Uma educação libertadora é a que almeja conquistar hegemonia por consenso, por práticas efetivas, e não por coerção ideológica. Deve abranger todas as disciplinas escolares, das ciências exatas à educação física, superando relações fundadas na economia de trocas para a economia solidária, baseada na cooperação.
As relações mercantilistas influem nas concepções daqueles que as adotam ou se deixam reger por elas, pois acentuam o individualismo e induzem os educandos a acreditar que o mercado obedece a uma "lei natural”, e que fora dele não há alternativa... É isso que nos leva a, literalmente, torturar a natureza para que ela nos forneça seus frutos o quanto antes.

Há que perguntar: para que serve a educação? Para adaptar os educandos ao status quo? Para transmitir o patrimônio cultural da humanidade como se ele resultasse da ação destemida de heróis e gênios? Para formar mão de obra qualificada ao mercado de trabalho? Para adestrar indivíduos competitivos?
Um educação crítica e solidária engloba todos os atores da instituição escolar: alunos, professores, funcionários e suas respectivas famílias. E ultrapassa os muros da escola para se vincular participativamente ao bairro, à cidade, ao país e ao mundo.

As portas da escola permanecem abertas a movimentos sociais, atores políticos, artistas, trabalhadores. E a ótica de seu processo pedagógico enfatiza esta verdade que a lógica mercantilista tenta encobrir: tanto a evolução da natureza quanto a história da humanidade têm seus fundamentos muito mais centrados na cooperação, na solidariedade, que na seleção natural, na competitividade e na exclusão.

O valor da escola se avalia por sua capacidade de inserir educandos e educadores em práticas sociais cooperativas e libertadoras. Por isso é indispensável que a escola tenha clareza de seu projeto político pedagógico, em torno do qual deve prevalecer o consenso de seus educadores. Sem essa perspectiva, a escola corre o risco de ficar refém da camisa de força de sua grade curricular, como mero aparelho burocrático de reprodução bancária do saber.

Reinventar o futuro é começar por revolucionar a escola, transformando-a em um espaço cooperativo no qual se intercalem a formação intelectual (consciência crítica), científica e artística de protagonistas sociais comprometidos eticamente com os desafios de construir outros mundos possíveis, fundados na partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Mário Sérgio Cortella, de "Sobre a esperança” (Papirus), entre outros livros.

domingo, 29 de março de 2015

Entrevista com a “sem-terra do Outback”

Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:


Em março do ano passado, um direitista sem o menor respeito pela privacidade alheia fotografou uma moça com camiseta do MST (Movimento dos Sem-Terra) almoçando no restaurante Outback enquanto digitava algo ao telefone. Não era ninguém famoso. Era uma pessoa qualquer. Mas os reaças ficaram ouriçados.

Era preciso achincalhar a “sem-terra” que se atreveu a ir comer naquela churrascaria “chique” (na verdade uma reles franquia), assim como fizeram, tempos atrás, com um grupo do MST fotografado em frente a um McDonald’s, como se fosse coisa de outro mundo comprar uma casquinha de sorvete, pouco importando o lugar (detalhe: custa R$2,50). Mesquinhez no último. No que depender deles, pelo visto, brasileiros sem-terra não podem nem tomar sorvete.

Pois a “notícia” de que uma sem-terra estava rangando no Outback foi parar até no site da revista Veja pelas mãos do colunista fã do Pateta. No facebook, um jovem reaça famosinho fez um meme que tornou a imagem viral.



Este ano, às vésperas da marcha de direita contra Dilma, a imagem voltou a circular – na manifestação, inclusive, foram vistos cartazes onde essa gente pede a “criminalização” do MST por ser “um grupo paramilitar”. O que a divulgação dessa foto e a chacota em cima dela dizem a respeito da direita brasileira?

Em primeiro lugar, escancara o preconceito que eles têm com os sem-terra. É como se pensassem assim: “o que faz essa ‘sem-terra’ chechelenta em nosso ambiente diferenciado?” Ora, por que uma pessoa pobre não poderia ir ao Outback? Só se estivesse de uniforme? Se fosse uma babá vestida de branco, cuidando das crianças enquanto os patrões burgueses comiam, estava liberado?

Em segundo lugar, vem a “patrulha da moda reaça” tentando ditar o que se deve ou não se deve vestir para “ir ao Outback”. Quem define isso? Onde está escrito que não se pode ir ali com uma camiseta do MST ou com uma camiseta vermelha qualquer? Qual o problema desse pessoal com o vermelho, afinal?

Em terceiro lugar: o que tem a ver a posição política da pessoa com o lugar onde ela vai comer? Isso não é uma questão de gosto? Eu, por exemplo, não vou ao McDonald’s principalmente porque acho a comida ruim, gordurosa, pouco saudável. Mas o que eu tenho a ver com quem gosta da comida de lá?

Resolvi ir direto à fonte e entrevistei a “sem-terra do Outback” para saber o que ela acha disso tudo. M.P., de 40 anos, moradora de Brasília, preferiu não se identificar para preservar a família de novos ataques dessa gente.

Olá, você é sem-terra?

Não, sou jornalista.

Por que você resolveu ir ao Outback usando uma camiseta do MST?

Porque todas as da Abercrombie estavam sujas. Hahaha.

Sério, por que você usou uma camiseta do MST num local assim?

Essa pergunta faz tanto sentido quanto perguntar para alguém por que vestiu uma pólo Ralph Lauren e mocassins para comer pastel na feira.

Qual sua relação com o MST?

Nenhuma. Eu admiro o MST. Sou fã. Da mesma forma que pessoas que admiram o agronegócio não têm fazendas, há pessoas que admiram os sem-terra sem ser um deles.

Não é incoerente admirar os sem-terra e ir num restaurante bacana?

Por que, é incoerente admirar o capitalismo e tirar férias? Eu vivo do meu trabalho, não exploro ninguém. Paguei para estar ali, tanto quanto um sem-terra de verdade poderia pagar, se tivesse ganhado, com o suor do seu rosto, dinheiro suficiente para isso –se não fosse explorado pelos que têm terra, por exemplo, talvez pudesse. Incoerente seria eu admirar os sem-terra e ser dona de uma fazenda que usa trabalho escravo. No entanto, tem muitos exploradores de trabalho escravo que pregam ‘ética na política’. Isso, para mim, é uma puta incoerência e não vejo a reaçada criticando.

O que você achou dessa repercussão toda em torno da foto?

Fiquei chocada ao descobrir que as pessoas andam espionando umas às outras. Um clima de X9 típico da época da ditadura militar, que, aliás, muitos que difundiram a imagem admiram. Também me impressionou a superficialidade do discurso: em vez de criticar o fato de ainda ter gente que luta por um pedaço de terra no Brasil, eles criticam que uma pessoa pobre vá comer cebolas fritas…

Você vai usar de novo essa camiseta do MST quando for ao Outback?

Será que vão me atacar se eu usar uma camiseta pró-LGBTs sem ser gay? Ou talvez prefira uma nova que tenho do Movimento dos Sem-Teto, toda roxa, quem sabe? Tem também um boné bem legal que ganhei da Marcha das Vadias…. Ou uma do Movimento Zapatista que comprei na minha última viagem ao México. Ainda não decidi.

Depois não reclame quando te chamarem de esquerda caviar.

Imagina, acho chique. Mas quero dizer que prefiro bottarga.

Debate democrático no #3BloggerPE

Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:


Um caloroso debate sobre a luta pela democratização da comunicação inaugurou, nesta sexta-feira (27), em Olinda/PE, o #3BloggerPE – Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais do Pernambuco. Com direito à demonstração de solidariedade à Venezuela – recentemente ‘condecorada’ pelos Estados Unidos com o selo de ‘ameaça’ –, a atividade reuniu blogueiros, jornalistas, estudantes e ativistas digitais de todo o estado.


A conferência ‘Democratizar é preciso – pela regulação econômica da mídia’ contou com as presenças de Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Élcio Guimarães, secretário de Comunicação da Prefeitura de Olinda; Rafael Buda, que articula o núcleo pernambucano do Barão de Itararé; e a Cônsul Geral da Venezuela no Recife, Carmen Nava Reyes, que saudou os presentes e coletou assinaturas pela revogação do decreto de Barack Obama contra o país latino-americano. A mediação ficou por conta de Lissandro Nascimento, presidente da Associação dos Blogueiros do estado do Pernambuco (AblogPE).


Conforme ressaltou Altamiro Borges, a mídia está longe de ser o quarto poder, que fiscalizaria os três poderes constituídos, mas, sim, um segundo Estado – “só que não eleito pelo povo”. “A mídia brasileira, hoje, é um Estado paralelo, controlado por oligarquias”, acrescenta, fazendo referência às sete famílias que dominam o grosso dos meios de comunicação no país.


“A velha mídia, que ainda está na época do feudalismo, detem um poder monstruoso, que mexe com a subjetividade humana e o imaginário das pessoas e que está atrelado a interesses políticos e econômicos”, afirma. “Ela interfere de forma agressiva na sociedade, pois informa e desinforma, forma e deforma. É por causa disso que se discute, no mundo todo, como estabelecer regras para que esse poder não se torne um perigo para as democracias”.


Ele lembra os exemplos da Inglaterra e dos Estados Unidos, que desde a década de 1920 possuem mecanismos de regulação da comunicação, para desconstruir o mantra tão repetido pelos barões da imprensa brasileira de que ‘regular é censura’. “A mídia colonizada adora paparicar os EUA, mas não fala que lá existe o Federal Communications Comission (FCC – espécie de Conselho de Comunicação). Na Inglaterra, existe o Ofcom. Há muito tempo se debate, isso pois a comunicação, como qualquer atividade econômica, tende ao monopólio e precisa de regras”, argumenta. Com humor, Miro questiona: “A Rainha Elizabeth II também é chavista e bolivariana?”.


Ele evoca a própria Constituição Federal, citando pontos relevantes à democratização da comunicação já previstos na carta magna brasileira e jamais regulamentados. “Se fosse levada a sério, aprimoraríamos e muito a nossa democracia, já que a Constituição prevê, entre outras coisas, a proibição do monopólio e do oligopólio, a complementaridade entre os sistemas privado, público e comunitário de comunicação e o fomento da produção regional e independente”, diz.


“Já tivemos 19 tentativas de regular a comunicação no Brasil – todas interceptadas. Até os militares e Fernando Henrique Cardoso tiveram projetos na área. Nenhum avançou”, recorda. “Temos liberdade de monopólio, não liberdade de expressão ou de imprensa”, sentencia o blogueiro.


O que fazer?


Crítico à inércia dos governos Lula e Dilma em relação ao tema, Borges avalia que a ideia de um “pacto de não-agressão” com a mídia falhou, já que ambos os presidentes “apanharam e seguem apanhando diuturnamente”. Em sua opinião, o cenário parece estar mudando após o papel extremamente partidarizado cumprido pelos grandes meios de comunicação nas eleições de 2014. “Dilma finalmente falou em regulação econômica da mídia, o que é uma sinalização importantíssima".


Em relação à conjuntura complexa instalada no país, o jornalista acredita que as manifestações de ódio nunca foram tão explícitas em nossa sociedade e que isso é resultado direto da atuação da mídia. “Ela botou o ovo da serpente”, diz. “O papel dos movimentos e ativistas digitais é muito simples, já que Dilma dá sinalizações de enfrentamento ao império midiático: aumentar a pressão”.


Uma ferramenta mencionada por Miro é o Projeto de Lei da Mídia Democrática, o ‘PLIP’, de Iniciativa Popular (saiba mais aqui). Outra, “é fortalecer rádios e TVs comunitárias, veículos sindicais e, sobretudo, o ativismo digital, incluindo os blogs, para que se multipliquem, qualifiquem e se defendam dos constantes ataques e perseguições”.


Pernambuco: perspectivas e mobilização


Fundada em 2013 nos moldes da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Empresa Pernambuco de Comunicação é fruto da articulação entre sociedade civil e movimentos que debatem e discutem a comunicação no estado. Segundo Rafael Buda, trata-se de uma experiência inovadora, que fortalece a comunicação pública no estado. “Claro que precisamos de recursos, investimento e desenvolvimento, mas é um passo enorme para a região", afirma.


Além disso, ele salienta que a AblogPE já conta com mais de 400 blogueiros. “São diversas iniciativas que nos propiciam uma experiência rica no campo das mídias alternativas. Há uma vasta produção colaborativa e independente se desenrolando no estado, em um processo que reconfigura as disputas midiáticas em nossa sociedade. Com um passo de cada vez, vamos criando musculatura”.


Buda aproveitou o encontro e fez um chamado à criação do núcleo do Barão de Itararé em Pernambuco. “A ideia é congregar quem esteja interessado nas pautas da entidade, pela luta da democratização da comunicação, para atuarmos em nosso estado".


Élcio Guimarães, Secretário de Comunicação de Olinda, exaltou a realização do #3BloggerPE: “Estamos neste evento porque entendemos que é fundamental estimularmos a diversidade informativa em nosso país”. De acordo com ele, não existe exercício da cidadania sem o direito à informação e à comunicação, assim como não existe ponto e contraponto na mídia brasileira. “Por isso, discutir a importância da liberdade de expressão, no momento pelo qual o país passa, dá a esse encontro um significado muito especial. São 480 anos de Olinda, uma cidade com um forte passado político e cultural. Respeitamos todas as opiniões e exaltamos a importância da blogosfera e do ativismo digital nas lutas do cotidiano”.

quinta-feira, 26 de março de 2015

'Sacos dinheiro’ são instalados no Congresso para revindicar reforma política

Cristina Fontenele
Adital

Duzentos sacos de "dinheiro", representando o financiamento empresarial das candidaturas políticas, foram deixados em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, na madrugada desta terça-feira, 24 de março. A instalação, montada pela Coalização Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, alerta para o financiamento eleitoral das candidaturas, uma das distorções combatidas pelo Projeto de Iniciativa popular, que fortalece mecanismos de democracia direta e propõe eleições proporcionais em dois turnos, com paridade de sexo.

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Sacos de dinheiro simbolizam o financiamento das campanhas eleitorais.
 
Em entrevista a Adital, Marcelo Lavenére, membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e integrante da Secretaria Executiva da Coalizão, informa que a instalação em frente ao Congresso se dará durante todo o dia desta terça-feira. "Haverá a presença de participantes da Coalizão para coletarem assinaturas, atenderem à imprensa e darem informações a quem se interessar em saber mais sobre a reforma política”. 

O ato faz parte da Semana Nacional de Mobilização pela Reforma Política Democrática, que acontece de 20 a 29 de março, nas principais capitais do país, e tem como objetivo intensificar a coleta de assinaturas. Lavenére destaca que a meta é coletar 1 milhão de assinaturas faltantes para, finalmente, dar entrada no Congresso. São necessários quase 1,5 milhão de assinaturas de eleitores para levar o Projeto à Câmara dos Deputados. Até agora, já foram coletadas cerca de 600 mil assinaturas. 

Lavenére ressalta que a resposta ao movimento está sendo positiva. "Todos os dias, recebemos milhares de assinaturas.” Mas, segundo ele, é muito importante que os responsáveis pelas coletas enviem a Brasília os formulários assinados assim que os recebam. "Já aconteceu de alguns formulários ficarem guardados e não serem enviados. Queremos fazer um balanço real das assinaturas ao final da semana”.
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Semana de Mobilização pela Reforma Política Democrática promove atos públicos e eventos em vários estados do país.


A instalação em frente ao Congresso pretende ainda chamar a atenção da sociedade por meio de faixas, além de contar com a participação da imprensa e de parlamentares. Para esta quarta-feira, 25, haverá uma vigília em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), quando será entregue um documento cobrando a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n° 4.650, que revisa a legislação que regulamenta o financiamento de empresas a campanhas políticas. 

Desde abril de 2014, essa ADIN está paralisada no STF por conta de um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes. Ainda não há previsão de julgamento. 

urante a semana, estão previstos atos de mobilização, divulgação nas redes sociais, debates, seminários e reuniões com a sociedade civil e entidades em diversos estados, além da instalação de postos fixos e móveis para a coleta de assinaturas. No Rio de Janeiro, será realizada, na sexta-feira, 27, a Plenária da Reforma Política, com dirigentes partidários e de movimentos sociais. (Av. Rio Branco, 277/17, Centro). 
divulgação

O projeto conta com o apoio de 110 entidades da sociedade civil, incluindo a CNBB, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a Agência de Informação Frei Tito para a América Latina e Caribe (Adital). 

Como participar 

Basta imprimir o formulário, assinar corretamente com todos os dados e enviar para a Secretaria Nacional da Coalizão (SAS, Quadra 05, Lote 2,Bloco N, Edifício OAB, 1º andar, Brasília/DF - CEP: 70.070-913). 
A legislação eleitoral brasileira ainda não admite assinaturas pela Internet. Portanto, para efetivar a participação, é necessário imprimir, assinar e enviar o formulário por correio. 
Colaborou Paulo Emanuel Lopes. 

Por 
Cristina Fontenele
Adital

Cristina Fontenele

Estudante de Jornalismo pela Faculdades Cearenses (FAC), publicitária e Especialista em Gestão de Marketing pela Fundação DomCabral (FDC/MG).
E-mail
cristina@adital.com.br
crisfonte@hotmail.com

sábado, 21 de março de 2015

Movimento pela Democracia Participativa discute situação política do Brasil

MOVIMENTOS SOCIAIS

O Movimento pela Democracia Participativa realizou, esta semana, o seminário "O que está em jogo no Brasil?”, com a participação do ex-secretário geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, como principal expositor. Realizado no auditório da Universidade do Parlamento Cearense (Unipace), em Fortaleza, Estado do Ceará, evento reuniu cerca de 540 pessoas e se deu um dia após as manifestações de 15 de março, que aconteceram nas ruas das principais cidades de todo o Brasil. No encontro, foram debatidos temas como os gargalos do atual governo, a corrupção, a reforma política e a necessidade de reaver um caminho pela base, em relação ao Partido dos Trabalhadores (PT) e às esquerdas do Brasil.
Movimento pela Democracia Participativa reúne entidades e promove debates no Brasil.

O seminário contou com o apoio da Central Única dos Trabalhadores no Ceará (CUT-Ceará), do Sindicato dos Fazendários do Ceará (Sintaf), Sindicato dos Bancários, Sindicato Apeoc (Associação dos Professores de Estabelecimentos Oficiais do Ceará), Sindicato dos Comerciários de Fortaleza e Agência de Informação Frei Tito para América Latina e Caribe(Adital).

Corrupção

Carvalho ressaltou a necessidade dos integrantes do PT, flagrados nas investigações sobre corrupção, serem punidos nas instâncias internas da agremiação, caso condenados pela Justiça. Segundo ele, será preciso que o Brasil encontre o ponto de convergência das esquerdas, caso contrário, pode haver um retrocesso em um futuro próximo. "Se não nos unirmos, pode ser que não tenhamos candidatos de esquerda em 2018”, declarou.

Reforma política

Sem reforma política, de acordo com Carvalho, não há como combater a corrupção. O tema é uma prioridade. Sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, Carvalho ressalta que "ele precisa devolver o processo ao plenário, para que essa situação seja banida da política brasileira”. Ele refere-se ao resultado da sentença sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a qual pede o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais.

Para o ex-ministro Gilberto Carvalho, o país precisa encontrar o ponto de convergência das esquerdas.


Comunicação

O ex-ministro apontou ainda a comunicação como algo central na sociedade contemporânea, algo que deveria ter sido reconhecido pelos governos petistas. "Se ao invés de mantermos os investimentos feitos nos grandes conglomerados de mídia, tivéssemos investido nas rádios comunitárias, estimulado pequenos empresários a investir em pequenas emissoras, e realizado o dever de casa de bem informar, isso já seria suficiente para, hoje, estarmos num outro patamar dessa batalha pelos corações e mentes dos brasileiros”, afirmou.

Segundo Carvalho, a força das manifestações do dia 15 de março está nas grandes corporações de mídia.
Para continuar as reflexões sobre o país, o Movimento pela Democracia Participativa voltará a se reunir no próximo dia 24 de março, na sede da CUT Ceará, em Fortaleza,[rua Solon Pinheiro, 915 – José Bonifácio], às 15h. Há também a fanpageno Facebook sobre a democracia participativa.

Cristina Fontenele

Estudante de Jornalismo pela Faculdades Cearenses (FAC), publicitária e Especialista em Gestão de Marketing pela Fundação DomCabral (FDC/MG).
E-mail
cristina@adital.com.br

crisfonte@hotmail.com

Começa Semana Nacional de Mobilização pela Reforma Política Democrática

Entidades da sociedade civil e movimentos sociais fazem, em todo o Brasil, de 20 a 29 de março, a Semana Nacional de Mobilização pela Reforma Política Democrática. Em Fortaleza, Estado do Ceará, as atividades começam na próxima segunda-feira, 23, a partir das 15h, na Praça do Ferreira [Centro da cidade] e prosseguem até o sábado, 28.
divulgacao

Na Praça do Ferreira haverá, durante toda a semana, um posto fixo de coleta de assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa popular que busca afastar das eleições o financiamento de empresas, além de melhorar o sistema eleitoral, promover a inclusão de mulheres, dos grupos sub-representados e, também, aperfeiçoar a democracia direta. O objetivo é arrecadar 1,5 milhão de assinaturas, que representam 1% do eleitorado brasileiro. 

Em 2014, quase 8 milhões de pessoas disseram sim à Constituinte Soberana e Exclusiva do Sistema Político, no plebiscito popular realizado pelos movimentos sociais, na Semana da Independência do Brasil, em setembro. Em outubro do ano passado, como desdobramento da campanha popular, um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), propondo um plebiscito oficial, foi assinado por 181 parlamentares e entregue ao Congresso Nacional. 

A Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas é formada por mais de 100 entidades representativas da sociedade civil, entre elas a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE – autores do Ficha Limpa), Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, União Nacional dos Estudantes (UNE), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Agência de Informação Frei Tito para a 

América Latina e Caribe (Adital). 

Mais informações: www.reformapoliticademocratica.org.br / www.plebiscitoconstituinte.org.br/www.facebook.com/democraciaparticipativace?fref=ts.

Dilma, a saída é pela esquerda! Mas, cadê a porta?

Adital
Jung Mo Sung 

Uns 30 anos atrás, em um curso de "fé e política”, em Itaici, escutei pela primeira vez o saudoso Plinio A. Sampaio. Eu me lembro que ele falou por horas sobre vários assuntos. De tudo, sobraram na minha memória dois assuntos.

Falando sobre o golpe em Chile e as crises que o precederam, ele falou da responsabilidade da esquerda no processo que levou da crise de abastecimento e a crise política ao golpe. Como era de se esperar, o pessoal que estava assistindo reagiu dizendo que a culpa era da direita e começou a enumerar as ações da direita chilena com o apoio dos Estados Unidos. E a resposta de Plínio me marcou muito: é de se esperar que a direita fizesse isso! É o papel da direita tentar de tudo para inviabilizar um governo de esquerda, que pela primeira vez na América Latina tinha assumido via processo democrático. Esperar outra coisa é ser politicamente ingênuo. E muitos da esquerda chilena, mesmo inconscientemente, tinha colaborado para aumentar a crise ou feito muito pouco para diminuí-la.

Como dizem muitos, na política, mais importante do que o fato social (como as manifestações de 13 e 15/03) é a versão, a interpretação que ganha na disputa pela conquista da "mente e coração” do povo. Nesse sentido, esperar que as grandes corporações capitalistas que controlam a grande mídia desse uma visão "neutra” ou "verdadeira” dos fatos sociais e políticos é esquecer que elas são capitalistas visando a maximização do lucro, usando a liberdade do mercado para seus interesses. É claro que na luta pela interpretação dos fatos, é preciso criticar a cobertura da mídia; mas há análises que parecem indicar que a crise do governo Dilma não existira ou seria menor se a mídia cumprisse o seu papel de forma correta. Em outras palavras, atribuem a responsabilidade da crise à grande mídia.

Como diz Franz Hinkelammert, no seu livro "Mercado versus Direitos Humanos”, não vivemos o tempo em que os direitos humanos, como da liberdade de expressão, são violados pelo Estado ditatorial. Quem censura hoje é a própria mídia. Isto é, os interesses das grandes corporações definem a censura: o que é noticiado ou não; e qual a interpretação a ser dada. Não é à toa que os principais noticiários da TV, no fundamental, falam (quase sempre) dos mesmos assuntos, mostram as mesmas imagens e interpretações semelhantes.

Como me ensinou "dr. Plínio”, nós da esquerda (os que lutam contra a desigualdade social, como disse N. Bobbio) e o governo Dilma e o PT precisamos assumir a nossa parcela da responsabilidade. E nessa autocrítica, há analistas que dizem: o governo entrou em crise porque não fez reformas do ideário da esquerda, por ex, a reforma agrária. Portanto, a saída da crise só pode ser pela esquerda. Eu não sei se os governos Lula e Dilma tinham condições políticas (com as alianças realizadas e correlações de força no congresso e na sociedade) para fazer uma reforma agrária radical ou outras reformas lamentadas hoje após "o leite derramado”; e, se essas reformas tivessem sido realizadas, seriam suficientes para evitar essa crise.

Essas questões me lembram o segundo ponto do curso com Plínio: a correlação de força na luta política e a importância da construção de um "bloco histórico” (Gramsci) capaz de levar avante as reforças estruturais necessárias para garantir os direitos dos trabalhadores, dos pobres e massas excluídas da sociedade. Se no governo Lula, a direita não teve força política (e talvez nem interesse porque estava lucrando com o crescimento econômico e o aumento do mercado interno com a saída da pobreza de dezenas de milhões de brasileiros) para enfrenta-lo de forma agressiva; hoje a situação é outra. Agora se unem o interesse político e econômico (em defesa do livre mercado e ampliação do setor privado na economia) e o preconceito de classe contra "gente diferenciada”. Movimento sócio-político que une interesses político e econômico e um turbilhão de preconceitos e "raiva intensa” gera, com certeza, resultados imprevisíveis e nada animadores para os mais vulneráveis.

Nesta situação, não basta afirmar: "a saída deve ser pela esquerda”. A saída não está dada, a porta não está lá para ser aberta, é preciso construir essa "saída”. Para isso, além da habilidade política para articular um novo bloco com força suficiente para mudar o rumo do Titanic, é preciso lideranças carismáticas que sejam capazes de fazer a multidão escutar e ver além daquilo que a grande mídia propaga e de "testemunhos” que substituam o desencanto com o PT e o governo – desencanto esse que se transformou em frustração e raiva – por uma esperança. 

(Jung Mo Sung, autor, com J. Rieger e N. Míguez, de "Para além do Espírito do Império”. Twitter: @jungmosung)

quinta-feira, 19 de março de 2015

Menos de 10% dos 1.700 assassinatos em conflitos de terra vão a julgamento

Levantamento da CPT mostra que 108 dos 1.270 casos de homicídio registrados na última década foram a tribunal.

Por David Shalom
Do Último Segundo

Índios, posseiros, quilombolas, pescadores, agricultores, ribeirinhos, sem-terra, lideranças religiosas. Somente nos últimos 30 anos, mais de 1.700 deles foram vítimas de assassinatos em conflitos de terra ocorridos nos 26 Estados do Brasil. Os dados estão inclusos nos levantamentos divulgados anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão pertencente à Conferência Nacional dos Bispos que desde 1985 registra números sobre o tema no País.

Do total de 1.270 casos de homicídio registrados nas últimas três décadas – alguns casos incluem mais de um assassinato –, apenas 108 foram julgados, menos de 10% deles, e somente 28 mandantes dos crimes e 86 executores acabaram condenados por seus crimes. Um total de apenas 114 pessoas punidas em um período em que ocorreram, por baixo, 1.714 assassinatos.

Os números, segundo os especialistas, são consequência direta da ausência de reforma agrária e da falta tanto de segurança pública como de ações do Judiciário. Neste cenário, milhares de famílias vivem em constante conflito com os grandes proprietários rurais e o número de assassinatos caminha na direção oposta ao do de julgados e condenados pelos crimes.

“A distância dos centros urbanos complica. Os casos que ocorrem especialmente na região amazônica sequer são divulgados. Mesmo os números da Comissão Pastoral da Terra (CPT), apesar de altos, são bastante otimistas. Sem dúvida, a quantidade de assassinatos é muito maior do que a que temos registrada em nossos bancos de dados”, avalia José Batista Afonso, advogado da CPT há 18 anos.

Para Afonso, a solução só pode se dar por meio da reforma agrária: “Vivemos em um país em que a concentração de terra é violenta. A terra acaba sendo vista como algo quase intocável e os responsáveis por crimes pela posse de áreas não são punidos e acabam se sentindo numa situação de poder muito grande. É uma mentalidade de coronelismo que prossegue no Brasil, especialmente em Estados mais afastados, de fronteira com o agronegócio, onde massacres e chacinas brutais sequer são noticiados pela mídia, gerando, assim, a continuidade desses crimes.”

Impunidade absoluta

Em todos os Estados brasileiros – à exceção do Distrito Federal, em que não há registro de mortes em conflitos de terra – a situação é semelhante. Assim como ocorre com boa parte dos crimes contra a vida no País, poucos ou quase nenhum dos casos envolveu punição a seus responsáveis. Na maioria das vezes não há nem julgamento para avaliar a culpabilidade dos envolvidos.

É o caso, por exemplo, do Amazonas, Estado em que os conflitos de terra como consequência do avanço de empresários e grandes proprietários focados no extrativismo ilegal de madeira e minerais e no agronegócio e pecuária levou a ao menos 28 vítimas fatais entre os anos 1985 e 2013. Na unidade federativa, marcada por ações de grileiros responsáveis por falsificar documentos de posse e expulsar posseiros e índios de propriedades, nenhum caso de homicídio foi julgado ao longo de três décadas.

“Temos uma elite ruralista intransigente e insensível fazendo campanha contra os indígenas e pequenos proprietários, dizendo que já há terra demais para eles”, ressalta o antropólogo Spensy Pimentel, professor de Etnologia Indígena na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). “Da forma como funciona hoje nosso sistema político, o governo está no colo dos ruralistas, de mãos atadas. Nosso sistema político ainda está intrinsecamente relacionado ao poder econômico.”

Menos de 4% de casos julgados

Segundo maior Estado do Brasil, com toda a sua extensão de 1.247.954,666 km² ocupada pela floresta amazônica, o Pará é o recordista absoluto no número de assassinatos em conflitos de terra no País.

Os dados impressionam: enquanto Sergipe, unidade federativa menos afetada por essas disputas, somou quatro homicídios intencionais no campo nos últimos 30 anos, o território da região Norte tem em seus registros 645 vítimas fatais no período. Dos 429 casos (muitos abrangem mais de um homicídio), somente 22, ou 5% do total, foram a julgamento. Apenas 14 mandantes e 3 executores foram condenados, enquanto 4 mandantes e 16 executores, absolvidos.

Foram, no total, 840 assassinatos ocorridos no Acre, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e em território amazonense. Apenas 33 deles foram julgados, menos de 4%, e 43 pessoas, condenadas.

Mesmo com números inferiores aos da década de 1980, em que as vítimas fatais passavam das 100 por ano, 2014 registrou ao menos 34 homicídios em conflitos no campo no Brasil, segundo os dados da CPT. O mais recente deles aconteceu no Mato Grosso do Sul, quando, em 8 de dezembro, a índia Júlia Venezuela Almeida foi assassinada na Comunidade Tey’i Juçu, em Caarapó.

“Os assassinatos estão diretamente relacionados às conjunturas do momento. Entre 1984 e 1988, final da ditadura militar e início da nova república, tivemos o maior pico histórico, pois se criou a expectativa da reforma agrária. Ocorreram muitas ocupações e os latifundiários as reprimiram com violência”, ressalta Batista.

“Como nada foi resolvido, as ocupações e, consequentemente, a violência diminuíram. Da mesma forma, o Massacre de Eldorado dos Carajás [assassinato de 19 sem-terra no Pará em abril de 1996] também levou a um fortalecimento das ações dos movimentos sociais. Sem ação do governo, novamente tivemos repressão forte até as ocupações perderem força. O governo Lula também foi outro momento de expectativa, mas mais uma vez o resultado foi o mesmo.”

Sem distinção de território

Apesar da ampla maioria de casos terem ocorrido na região Norte do País, a questão dos conflitos de terra terminados em morte abrange todos os Estados brasileiros, sem exceção.

No Nordeste brasileiro, 424 pessoas foram mortas entre 1985 e 2014, enquanto somente 21 casos acabaram indo a julgamento e 48 acusados, entre mandantes e executores, condenados. No Centro-Oeste, foram 181 homicídios em conflitos de campo, 12 julgamentos e apenas 13 condenações (somente uma delas a um acusado de ter sido mandante).

Mesmo regiões mais abastadas do País vivem situação crítica semelhante. Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina tiveram um total de oito julgamentos e oito condenações para 77 homicídios. Em território gaúcho o índice de solucionamento dos casos é ainda pior: foram 15 vítimas fatais no período e somente uma pessoa, executora de um dos assassinatos, condenada.

A situação é igual à de São Paulo, onde 17 pessoas foram mortas no período e somente um suspeito de execução acabou condenado. Rio de Janeiro e Espírito Santo – respectivamente, com 16 e 36 assassinatos cada – tiveram um total de três executores e um mandante condenados.

Recordista no número de casos no Sudeste, Minas Gerais é o Estado que mais julgou e condenou os responsáveis pelos homicídios no campo ocorridos no País. A unidade federativa levou a tribunais 25 dos 68 casos registrados (um total de 89 vítimas fatais), ou seja, 36,7%. Vinte e seis pessoas foram condenadas.

“Onde os movimentos sociais têm mostrado mais força e onde a população faz pressão para as autoridades a questão da impunidade é diminuída”, avalia Batista. “Não é que o Judiciário desses lugares seja melhor aos outros no Brasil. É simplesmente uma pressão popular para forçar uma mudança de comportamento das autoridades. Infelizmente, por enquanto, é a única prática que tem se mostrado efetiva em relação a essa questão.”

Procurado para prestar esclarecimentos sobre os dados da CPT, o Ministério da Justiça não havia respondido ao iG até o fechamento desta reportagem.