sexta-feira, 13 de julho de 2012

Queimada! é aula de cinema político

 

Marlon Brando protagoniza filme do diretor de A Batalha de Argel
Por Ricardo Flaitt

“Queimada é uma das centenas de Ilhas das Antilhas. O nome Queimada deve-se ao fato dos portugueses terem de queimar a ilha para vencer a resistência dos índios. Quase todos os nativos foram mortos. Trouxeram então escravos da África para trabalhar nos canaviais”. A bordo de um navio, um tripulante explica ao diplomata inglês, Willian Walker (Marlon Brando) as características da ilha. E assim começa “Queimada!”, genial filme de Gillo Pontecorvo (“A Batalha de Argel”).
Todos os movimentos do homem são muito bem pesados e medidos. Não existe nada aleatório no jogo político mundial. Willian Walker (Marlon Brando) chega à ilha chamada Queimada com a missão de mudar a ordem do poder local, quebrar o monopólio português sobre a cana-de-açúcar para atender aos interesses da Coroa Inglesa. Mas como promover a ordem estabelecida em Queimada? Para isso, Walker (Brando) tem de encontrar/forjar um líder entre a população para deflagrar a revolução.
Willian enxerga essa possibilidade no escravo José Dolores (Evaristo Marquez). Desta forma, incita seus anseios de liberdade levando-o à condição de revolucionário. Com o discurso de que sua intenção era de colaborar para o fim da exploração dos negros, Walker manipula José Dolores e sua liderança para alcançar os interesses econômicos liberais da Inglaterra.
Hábil, astuto, maquiavélico, Walker une dois interesses: o anseio dos negros para se libertarem e, ao mesmo tempo, a mudança do centro do poder da ilha, para ir ao encontro dos interesses econômicos da Coroa Inglesa.
Com José Dolores, consolida-se a revolução. Os negros depõem o governo, mas o ex-escravo então descobre que não seria o governante do país. Indignado, assume o poder à força.
Mas seu “mandato” não dura muito, pois governar não é tão simples como os sonhos dos românticos e dos idealistas. Walker questiona o então novo comandante e presidente: “Quem serão seus ministros? Com quem você irá negociar?…”. Ou seja, como comandar o País e seus inúmeros interesses que permeiam? Com olhar perplexo, Dolores se vê perdido, sem a dimensão de que governar é preciso muito preparo, muita estratégica e muito conhecimento amplo.
Em outro diálogo carregado de ironia, Walker fala a Dolores: “A civilização é muito complicada”. Diante desse impasse, Dolores resolve fazer um pacto. Concorda que o país seja governado por outro representante, desde que aconteçam algumas mudanças, como a libertação dos escravos. Atingidos seus objetivos, Walker retorna à Grã-Bretanha.
Porém, após nove anos, o personagem de Branco volta à Queimada, que agora vive sob uma ditadura. Dolores voltara à condição de revolucionário. Mas agora Walker não está mais “precisando” de Dolores, uma vez que os que estão no poder obedecem à “Rainha”. Assim sendo, a resistência de Dolores precisa ser eliminada. Dolores precisa ser morto e passa a ser caçado como inimigo do Estado.
Cabe aqui perfeitamente uma declaração de Maquiavel: “Os homens mudam de governantes com grande facilidade, esperando sempre uma melhoria. Essa esperança os leva a se levantar em armas contra os atuais. E isto é um engano, pois a experiência demonstra mais tarde que a mudança foi para pior”.
Os governantes fazem com que o povo acredite que eles ocuparão o poder e terão oportunidade de decidir seus destinos, mas, ao final, constata-se, no círculo vicioso da História, que o povo, ainda que sob uma nova roupagem, continua a ser “massa de manobra” daqueles que detém o Capital e o conhecimento, já que o saber também é uma forma de poder.
“Queimada!” é uma aula de política, envolve temas sobre um determinado período da História (inclusive do Brasil) e a relação do homem e seus interesses. Essencial para se entender os mecanismos do mundo. não tem a pretensão enfadonha de narrar uma história romântica dos oprimidos. É um grande filme porque mostra como funciona o mundo. Não defende opressores nem oprimidos, mas mostra com inteligência como as coisas se operam na política, com todos os seus jogos e interesses.
Curiosidades
No filme, Queimada é uma ilha portuguesa, mas a verdade é que foi rodado na Colômbia. Outro ponto é que Portugal não colonizou nada nas Antilhas.
Evaristo Marquez, que interpretou José Dolores, nunca tinha sido ator e muito menos tinha visto um filme no cinema.
QUEIMADA!
(Burn!, Itália / França, 1969).

Direção: Gillo Pontecorvo.
Roteiro: Franco Solinas, Giorgio Arlorio, baseados em história de Gillo Pontecorvo.
Elenco: Marlon Brando, Renato Salvatori, Norman Hill, Evaristo Marquez, Tom Lyons.
Trilha sonora: Ennio Morricone.
Drama.
132 minutos.